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Volume 3, Issue 1
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O nexo entre o Estado de Direito e o Desenvolvimento

Mario Di Giulio
DOI: https://doi.org/10.36158/97888929564079
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1. Introdução: o Estado de Direito

Normalmente, os países em desenvolvimento são identificados por meio de indicadores como o PIB Pro-capita (Produto Interno Bruto) ou o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Onde a primeira é uma medida concreta dada pela produção interna bruta dividida pelo número de população, a segunda conta também dados referentes à expectativa de vida ao nascer e sua escolaridade.

Afinal, o fato de que o PIB (ou o Produto Nacional Bruto, que inclui também as receitas líquidas produzidas pelos migrantes no exterior e depois transferidas para seus países de origem) não era um indicador suficiente para medir a prosperidade de uma nação, era um conceito claro ainda antes da introdução do IDH: é suficiente lembrar o famoso discurso de Robert F. Kennedy em 1968 na Universidade do Kansas 1.

Basta pensar também em países como o México, com seus milhares de mortos a cada ano 2, para entender quanto outros fatores precisam ser contemplados para considerar o desenvolvimento de um país.

Considerando o exposto, para aqueles que estudam os fatores que influenciam o desenvolvimento dos países, um dos primeiros pensamentos vai para o estado de direito.

O estado de direito é definido pela Enciclopédia Britânica como “o mecanismo, processo, instituição, prática ou norma que apoia a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, assegura uma forma não-arbitrária de governo e, mais geralmente, impede o uso arbitrário do poder” 3.

Para melhor compreender o conceito, vale ressaltar que – de acordo com a Organização das Nações Unidas –“o Estado de Direito é um princípio de governança em que todas as pessoas, instituições e entidades, públicas e privadas, incluindo o próprio Estado, são responsáveis por leis que são promulgadas publicamente, igualmente aplicadas e julgadas de forma independente, e que são consistentes com os direitos humanos, normas e padrões internacionais. Exige medidas para garantir a adesão aos princípios de supremacia da lei, igualdade perante a lei, responsabilidade perante a lei, equidade na aplicação da lei, separação de poderes, participação na tomada de decisões, segurança jurídica, evitar a arbitrariedade e transparência processual e jurídica.

Comumente, acredita-se que o estado de direito se assenta em quatro pilares. Eles são os seguintes:

a. A lei se aplica a todos;
b. As leis não são secretas ou arbitrárias;
c. As leis são aplicadas de forma justa; e
d. O sistema judiciário é justo.

É evidente que o Estado de direito é substancialmente um meio para garantir a vida social entre os cidadãos, garantindo a proteção dos direitos através de regras claras e da aplicação efetiva.

Um observador pode entender claramente que o estado de direito é o pano de fundo essencial para permitir o desenvolvimento de uma prosperidade e, de alguma forma, é influenciado pelas circunstâncias subjacentes, como em uma espécie de relação simpática em que cada parte é mais forte à medida que os outros se tornam mais fortes.

2. O Estado de Direito e o Desenvolvimento

No gráfico da Organização das Nações Unidas, o Preâmbulo descreve quatro áreas que são os pilares das Nações Unidas:

Paz e segurança
Direitos humanos
O Estado de Direito
de desenvolvimento.

De acordo com a ONU, esses quatro pilares estão todos interligados. “Você não pode alcançar plenamente um sem alcançar todos eles.” Esta afirmação é muito significativa porque liga imediatamente o Estado de direito ao desenvolvimento e vice-versa.

A estreita ligação entre o Estado de direito e o desenvolvimento também é destacada pela Declaração da ONU da Reunião de Alto Nível sobre o Estado de Direito, onde os Estados-Membros observaram “que o Estado de direito e o desenvolvimento estão fortemente inter-relacionados e se reforçam mutuamente, que o avanço do Estado de direito nos níveis nacional e internacional é essencial para o crescimento econômico sustentável e inclusivo, o desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza e da fome e a plena realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, incluindo o direito ao desenvolvimento, que por sua vez reforçam o Estado de direito”. Este
declaração foi feita no ano de 2012 4.

Esta declaração representa um marco em relação aos objetivos (conhecidos como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) estabelecidos em 2015 pela Organização das Nações Unidas com referência ao Estado de Direito, uma vez que os Objetivos do Milênio não compreendiam o Estado de Direito.

Pela declaração acima mencionada, destaca-se a relevância do Estado de direito e o Estado de direito tornou-se um dos alvos através dos quais um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que passa sob o título “paz, justiça e instituições fortes” (16) pode ser alcançado. Este ODS nº 16 tem a seguinte declaração de missão: “Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, fornecer acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.

Esta missão deve ser alcançada através de diferentes objetivos 5.

Entre eles, para os nossos propósitos, a Meta 16.3 sobe, que diz: “Promover o Estado de Direito nos níveis nacional e internacional e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos”.

Vale ressaltar que os indicadores das Nações Unidas para avaliação do atingimento da meta são os seguintes:

Indicador 16.3.1: Proporção de vítimas de violência nos 12 meses anteriores que denunciaram sua vitimização às autoridades competentes ou outros mecanismos de resolução de conflitos oficialmente reconhecidos;
Indicador 16.3.2: Detentos não sentenciados como proporção da população carcerária total;
Indicador 16.3.3: Proporção da população que experimentou uma disputa nos últimos dois anos e que acessou um mecanismo formal ou informal de resolução de disputas, diferiu por tipo de mecanismo.

O primeiro indicador é um elemento básico para entender como e em que medida a lei é aplicada e aplicada. De fato, a notificação da violência é relatada às autoridades se as vítimas da violência puderem confiar na ação do Estado para punir aqueles que usaram a violência.

O segundo indicador mostra como a justiça é realmente aplicada e como os cidadãos podem estar sujeitos ao exercício arbitrário do poder; enquanto o terceiro é auto-explicativo.

A coleta de dados acima ajuda as nações e as organizações que apoiam o desenvolvimento a identificar lacunas e definir o curso de ação.

A leitura das metas únicas que compõem o16º Objetivo e dos indicadores relacionados ao estado de direito, facilita a observação de que muitas das metas
estão estritamente correlacionados com o de nosso interesse: pelo menos 16,1, 16,4 e 16,5 e, mais geralmente, todos eles.

A relevância do Estado de direito é igualmente reconhecida pela União Europeia através da criação do Mecanismo Europeu para o Estado de Direito, que «prevê um processo de diálogo anual entre a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu, juntamente com os Estados-Membros, os parlamentos nacionais, a sociedade civil e outras partes interessadas no Estado de direito».

A este respeito, é importante destacar os pilares em que se baseiam os relatórios anuais sobre o Estado de direito. Esses indicadores mostram quantos aspectos são relevantes para verificar se o estado de direito é efetivo ou não.

São elas: o sistema de justiça, o quadro anticorrupção, o pluralismo dos meios de comunicação social e outras questões institucionais relacionadas com os controlos e contrapesos.

Como a cooperação internacional pode promover o Estado de Direito nos países em desenvolvimento

Uma vez que o Estado de direito é uma característica fundamental para alcançar o desenvolvimento, muitas são as organizações que operam a nível global ou regional, a fim de ajudar os países em desenvolvimento a alcançar um verdadeiro Estado de direito.

Entre eles, um papel relevante é desempenhado pelo IDLO e pelo PNUD.

O primeiro é um organismo intergovernamental. Seu acrônimo significa Organização Internacional do Direito do Desenvolvimento.

O IDLO é a única organização intergovernamental global dedicada exclusivamente à promoção do Estado de Direito para promover a paz e o desenvolvimento sustentável.

Vale a pena notar o que o Estado de direito significa para esta Instituição. “O Estado de Direito é uma prática cultural e diária. É inseparável da igualdade, do acesso à justiça e à educação, do acesso à saúde e da proteção dos mais vulneráveis. É crucial para a viabilidade das comunidades e nações, e para o meio ambiente que as sustenta. Considerando o título do periódico onde este artigo é publicado, ele está amenizando o nexo entre o Estado de Direito e o acesso à saúde e proteção dos mais vulneráveis.

A nível internacional, existe também o PNUD que apoia a eficácia real do Estado de direito.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento é uma organização internacional criada em 1966, após uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas aprovada em 1965.

Um dos propósitos do PNUD é fortalecer os pilares nos quais as Nações Unidas se baseiam, incluindo o Estado de Direito. Entre outras tarefas, o PNUD é o organismo responsável pela elaboração de relatórios sobre o estado de implementação da meta 16.3 (ou seja, a promoção do Estado de direito e a garantia da igualdade de acesso à justiça) de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Outras organizações, como a Comunidade das Nações, promovem os mesmos valores entre seus membros. É muito interessante examinar a declaração desta Instituição sobre o Estado de direito e a extensão que poderia ter.

A Commonwealth promove o Estado de Direito, fornecendo apoio aos países membros por meio de programas de compartilhamento de conhecimento e experiência, liderando o trabalho em direito e desenvolvimento, implementando a Declaração Cibernética e promovendo a democracia.

A este respeito, vale a pena notar a ligação expressa entre o Estado de direito e o desenvolvimento. Além disso, é significativa a menção da Declaração Cibernética, destacando o quanto o ciberespaço está ganhando relevância para garantir o desenvolvimento social e econômico.

3. Conclusões

Apesar de muitas declarações de princípio sobre a relevância da proteção dos direitos humanos, a observância da lei e sua aplicação não discriminatória, o papel substancial que um sistema de justiça em bom funcionamento tem na garantia do desenvolvimento, a atenção real dos formuladores de políticas é muitas vezes liderada por outros aspectos e prioridades, de modo que muitos dos esforços para o desenvolvimento muitas vezes produzem impactos muito limitados.

Esta é uma questão não apenas para os países em desenvolvimento, onde a capacidade de dar crescimento à economia e ao bem-estar é afetada pela ausência de regras e aplicações claras, mas também é uma questão para os países que alcançaram níveis mais altos de desenvolvimento 6.

Com efeito, vale ressaltar que também nos chamados países desenvolvidos, a sucessão de diferentes governos alas em curtos períodos provoca a revogação, de forma direta ou indireta, das medidas tomadas pelo antigo governo.

Essas mudanças nas leis e regulamentos criam incertezas sobre a real aplicação das leis e sobre como elas serão aplicadas no futuro: esses fatos comprometem a real observância e cumprimento das leis pelos cidadãos, com efeitos adversos no desenvolvimento do país.

É fácil notar que a incerteza sobre a aplicação real de uma lei tem um efeito negativo duplo: por um lado, frustra aqueles que observaram a lei, pagando um imposto ou cumprindo um dever, e depois descobrem que quem não cumpriu não é punido, e, por outro lado, pode constituir um freio na observância da lei para aqueles que esperam uma possível mudança dela em um curto período.

Uma administração justa da justiça, uma duração adequada dos processos judiciais e sua previsibilidade são outros fatores que são relevantes para o Estado de direito: todos esses fatores podem afetar o nível de desenvolvimento de um país e, também neste caso, é triste notar que muitos países – entre aqueles que são considerados desenvolvidos – falta de uma gestão eficiente da justiça que causa perda de chances, beneficia aqueles que agem de má fé e, por último, mas não menos importante, deixa espaço para abusos e corrupção.

Considerando tudo o que precede, parece claro o motivo pelo qual o Estado de direito é uma das metas estabelecidas pela declaração da Assembleia das Nações Unidas de 2015 para alcançar um desenvolvimento sustentável: o nexo subjacente entre o Estado de direito e o desenvolvimento.

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Note

1
“Even if we act to erase material poverty, there is another greater task, it is to confront the poverty of satisfaction – purpose and dignity – that afflicts us all. Too much and for too long, we seemed to have surrendered personal excellence and community values in the mere accumulation of material things. Our Gross National Product, now, is over $800 billion dollars a year, but that Gross National Product – if we judge the United States of America by that – that Gross National Product counts air pollution and cigarette advertising, and ambulances to clear our highways of carnage. It counts special locks for our doors and the jails for the people who break them. It counts the destruction of the redwood and the loss of our natural wonder in chaotic sprawl. It counts napalm and counts nuclear warheads and armored cars for the police to fight the riots in our cities. It counts Whitman’s rifle and Speck’s knife, and the television programs, which glorify violence in order to sell toys to our children. Yet the gross national product does not allow for the health of our children, the quality of their education or the joy of their play. It does not include the beauty of our poetry or the strength of our marriages, the intelligence of our public debate or the integrity of our public officials. It measures neither our wit nor our courage, neither our wisdom nor our learning, neither our compassion nor our devotion to our country, it measures everything in short, except that which makes life worthwhile. And it can tell us everything about America except why we are proud that we are Americans. If this is true here at home, so it is true elsewhere in world”
2
In 2021, 33,308 homicides have been registered with a murder rate of 3.6 every 100,000 habitants (Reuters sourcen21 January 2021).
3
The Law Dictionary, powered by Black’s Law Dictionary, second edition, summarizes this concept in a sentence: “nobody is above the law”.
4
The High-level Meeting of the 67th Session of the General Assembly on the Rule of Law at the National and International Levels took place at the United Nations Headquarters in New York on 24 September 2012.
5
 16.1. Significantly, reduce all forms of violence and related death rates everywhere; 16.2. End abuse, exploitation, trafficking and all forms of violence against and torture of children; 16.3. Promote the rule of law at the national and international levels and ensure equal access to justice for all; 16.4. By 2030, significantly reduce illicit financial and arms flows, strengthen the recovery and return of stolen assets and combat all forms of organized crime; 16.5. Substantially reduce corruption and bribery in all their forms; 16.6. Develop effective, accountable and transparent institutions at all levels; 16.7. Ensure responsive, inclusive, participatory and representative decision-making at all levels; 16.8 Broaden and strengthen the participation of developing countries in the institutions of global governance; 16.9 By 2030, provide legal identity for all, including birth registration; 16.10 Ensure public access to information and protect fundamental freedoms, in accordance with national legislation and international agreements; 16.A Strengthen relevant national institutions, including through international cooperation, for building capacity at all levels, in particular in developing countries, to prevent violence and combat terrorism and crime; 16.B Promote and enforce non-discriminatory laws and policies for sustainable development.
6
This consideration is confirmed by the fact that the European Union monitors the effectiveness of the Rule of Law in its Member States that are all developed countries.
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